Todas as crianças e adolescentes tem família bi-nuclear e todas podem sofrer alienação familiar - não apenas as de pais separados. Por Cristiane Jatene*

 

Todas as crianças e adolescentes tem família bi-nuclear e 

todas podem sofrer alienação familiar -

não apenas as de pais separados.

 

Por Cristiane Jatene*

 

A Terapia Familiar e a Legislação acompanham as transformações sócio-psicológicas. Como sabemos, no mundo contemporâneo, o conhecimento é dividido em disciplinas, dada enormidade do conhecimento humano que, embora insuficiente, vem crescendo de forma exponencial ao longo da História da Humanidade.

 

Não há um problema humano que não seja existencial. Os problemas existenciais podem ser patologizados e até medicalizados, mas não deixam de ser existenciais e tudo que é possível na existência humana é passível de escuta e cuidado cuidadoso, para que formas de vivenciá-los, solucioná-los e/ou ultrapassá-los sejam criadas sem “encaixotar” e “etiquetar” o ser humano que o vivencia.

 

A patologização serve para nomear, facilitando a comunicação entre profissionais de saúde, entre profissionais e pacientes e junto ao poder público. A patologização, embora a restrinja, serve , principalmente, para criação de Políticas Públicas. A medicalização serve para retirar sintomas, embora os sintomas devam ser ouvidos para compreendermos o que há com aquela pessoa que desenvolveu aquele sintoma. Sintomas são desenvolvidos involuntariamente para sobrevivermos.

 

Patologização e medicalização não fornecem compreensão, amadurecimento, busca e encontro de formas criativas e próprias de cada pessoa para lidar com seus problemas existenciais, que podem ser denominados como sofrimentos existenciais por serem questões que impedem a plena adaptação à sociedade que esta pessoa vive, mesmo quando a sociedade é extremamente desequilibrada (consumo desenfreado, competitividade, diferenças sociais, violência, etc).

 

Tem sido denominado de “famílias bi-nucleares” às famílias de crianças de pais separados. Essa denominação teria o foco na criança e não nos adultos como a denominação “famílias monoparentais”.

 

O fato é que todas as pessoas tem famílias bi-nucleares, sejam essas pessoas filhas de pais casados ou separados. Consequentemente, a alienação parental ou das famílias que pertencem às crianças e não apenas aos seus pais, já que as crianças são parte das duas famílias, pode acontecer com pais casados e pode piorar depois da separação do casal conjugal. Há pais que objetificam os filhos, acreditam que os filhos são suas propriedades e, nesse sentido, impedem o pleno convívio, a criação de memória, o estreitamento de vínculos do filho com a família que é do filho, mas não é a sua família, é a “família do outro lado”. É uma forma de tolher parte da identidade do filho, para que ele seja “modelado” como esse progenitor deseja. É violência. 

 

Uma forma comum de alienação familiar é não permitir que o filho fique sozinho com pessoas da família do cônjuge ou ex-cônjuge, que é da família do filho, mas não é da sua ou que vá a ambientes diferentes com essa pessoa. 

 

Cito o exemplo de um caso que atendi no qual a mãe não permitia que a filha, que ficava sozinha com babás, saísse com a irmã do marido, tia da filha. Essas duas pessoas, tia e sobrinha, só podiam se encontrar ou na presença dessa mãe ou dentro da casa da criança. Como a tia não podia dizer à criança teve que esperar até a sobrinha ter doze anos, a sobrinha pensava que a tia era ausente e essa falta de proximidade, pelo impedimento da mãe, causou grande sofrimento para tia, bem como tensões e discussões na família do pai. Era um pacote perfeito, em um só ato a mãe impedia a filha de ter acesso aos familiares que lhe pertenciam e criava um afastamento da família do marido, para que não só a filha, mas o marido ficasse privado de sua família. A mãe não era a mãe da família, era a dona de objetos que ela manipulava. Evidentemente, essa mãe nunca se tratou e o diagnóstico e a patologização recaiu sobre a filha que, como todo paciente identificado, denunciava o desequilíbrio criado pela mãe. 

 

Por exemplo, era uma tradição na família paterna dessa criança haver comemoração de mesário até que as crianças completassem um ano de idade. A tia paterna tentou por onze meses fazer a festa de mesário da criança, como a tiveram as outras crianças da família, mas a mãe nunca permitiu, com desculpas variadas, provocando conflito entre a tia paterna e o pai da criança, ou seja, não permitiu que a filha recebesse onze festas de comemoração da sua vida, até completar um ano, como era tradição da família paterna da criança.

 

Quando essa família se separou, a alienação que a mãe fazia em relação à família do pai, passou a incluir o próprio pai. Numa época em que as separações tem, além da guarda compartilhada, moradia compartilhada, este pai não tinha esse direito. Via seus filhos em dias e momentos acordados no acordo de divórcio. Uma mãe que cria filhos tolhidos emocionalmente e tolhidos em relação a sua identidade. Tal qual filhos adotivos, eles não conhecem parte da sua origem e não porque foram adotados, mas porque foram privados, pelos abusos da mãe.

 

A alienação parental ou a alienação familiar não se resume a “falar mal” do pai ou da mãe ou da família materna ou paterna, a alienação é também impedir que o filho entre em contato com parte da sua história e da sua identidade e crie vínculos e memórias com as duas famílias. A história de cada ser humano começa muito antes dele nascer e todos nós, caso isso seja possível (quando não somos adotados, refugiados, etc) temos o direito a ter acesso a toda a história.

 

De início, quando as separações de casais começaram a ser frequentes, o nome que se dava era “famílias monoparentais”, ou seja, famílias que tinham apenas um dos componentes do casal parental que, mesmo quando o casal conjugal se separa ou recasa, permanece sempre o mesmo. As crianças e adolescentes podem ter padrastos e madrastas, às vezes até mais de um a depender dos casamentos de seus pais, mas os pais biológicos são sempre os mesmos.

 

Acredita-se que a denominação posterior, família bi-nuclear, para denominar a família de filhos de pais separados seja melhor porque traz o foco para a criança, mas filhos de pais casados também tem famílias bi-nucleares. 

 

Todos os seres humanos, tem familias bi-nucleares e todos nós temos direito a ambas as famílias, temos direito à nossa identidade.

 

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*Cristianes Jatene é psicóloga licenciada no Brasil e em Portigal, especialista em terapia de casal e família pela PUC/SP, historiadora, terapeuta fenomenológica-existencial hermenêutical pela Ass. Bras. de Daseinsanalyse, mestre em Sociologia pela Universidade de Lisboa. Psicoterapeuta, atende online pacientes do Brasil e de Portugal, criadora e facilitadora das Oficinas Autobiográficas com o Baralho de Palavras.  

Email: oficinasautobiograficas@gmail.com

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