Os fardos que nos impomos carregar - e a aceitação que nos alforria.
Era famosa uma mulher em situação de rua, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Ela carregava quatro fardos grandes e se locomovia à medida que os colocava à frente. Colocava um deles à frente, depois os outros três. Quando estavam os quatro no mesmo ponto ela os alcançava e recomeçava o trabalho.
A medida de seu próprio alcance como pessoa era fornecida pelos fardos. Até onde ela poderia carregá-los era até onde ela iria.
A situação é curiosa porque ela não os largava, ela escolhera carregá-los, mas eram eles que definiam sua mobilidade.
Lembrei dessa história pensando em o quanto nos pesam a ingratidão de pessoas às quais dedicamos amor e compromisso e nos devolveram indiferença. Podemos carregar indignação, perplexidade, mágoa e esses sentimentos pesam e definem até onde conseguiremos caminhar, navegar, voar, amar, nos comprometermos, confiar (fiar junto).
Às vezes a indiferença chega direto, sem a escala da ingratidão. Alguém que está no topo da nossa lista e não nos pede nossa opinião, nossa ajuda, nossa companhia, nossa conversa. Não se lembra de nós e quando se lembra nos quer à disposição.
A indiferença é um tipo de assassinato, como a ingratidão. Ao não reconhecer uma pessoa, mata-se essa pessoa. E cabe a pessoa assassinada aceitar ser morta, carregando a mágoa, a indignação e perplexidade para sempre ou decidir voltar a viver, ao aceitar, ao reconhecer: eu nao errei em amar, em considerar, em doar, em doar-me, o erro não é meu, o fardo não é meu. Posso aceitar a mesquinhez do outro, a pobreza envolvida em devolver desrespeito e me distanciar e fiar novas redes de afetos e apoios.
O processo pode ser longo e doloroso. Mas tem um fim, tem destinos novos e incertos que podem nos trazer novas relações mais humanizadas, diferente do processo insistente de carregar algo morto, necrosado e que limita nossos passos.
#redesdeafeto #rededeapoio #magoa #indigancão #ingratidão #aceitação #amadurecimento #separações #psicologia #fenomenologiaexistencial #cristianejatene
Comentários
Postar um comentário