De onde menos se espera é de onde vem*
De onde menos se espera é de onde vem. O que? Tudo. Quase tudo. De bom. De ruim. Sempre de surpresa. Pode alegrar. Pode rasgar.
Essa frase “De onde menos se espera é de onde vem” é uma daquelas frases senso comum, da sabedoria popular, que explica a vida melhor que Fernando Pessoa, Leiv Tolstói fariam, juntos. E olha que eles eram bons pra explicar o inexplicável.
Ouvi a atriz Maitê Proença dizê-la outro dia. Não me lembro se no seu monólogo autobiográfico, que assisti online, no qual ela finalmente fala do assassinato da mãe pelo pai (de Maitê), do julgamento, de como se congelou emocionalmente e escondeu sua tragédia do público.
Digo “finalmente” não porque ela fosse obrigada a contar. Digo “finalmente” porque ela contou. Pela primeira vez. Antes, a tragédia foi revelada publicamente não por ela e a surpreendendo.
Geralmente, ninguém ou muito pouca gente se dá conta das nossas tragédias pessoais. Existem tragédias pessoais que são esperadas por quem existe. Mortes e lutos decorrentes, por exemplo. Vivemos a vida toda como mortais e sabemos o desfecho de quem é mortal. Mas, não é disso que quero falar.
Claro, é chocante ver o tamanho da indiferença com que algumas pessoas tratam nossas perdas. Pessoas de nossa família extensa, pessoas que circundam nosso meio.
Quero me referir ao “de onde menos se espera”, que achamos que poderia ser evitado (quando ruins) e ao “de onde menos você espera é de onde vem” quando não sabemos explicar (quando bom).
Psicólogos, no geral, tem por ofício buscar compreender, aprofundar. Um dos meus irmãos costuma dizer que existe o pré-sal e quero ir abaixo do pré-sal.
As ações humanas escapam a nossa compreensão. Pode aprofundar à vontade. E, ao aprofundar, é isso que descobrimos: nossa compreensão é limitada. Limitadíssima.
Como brasileira, consciente da história e da tragédia do país, me sinto enxugando gelo. Entender a vida tem um pouco esse caráter. Ela vai te surpreender. Para o bem ou para mal.
Por mais observador que você seja, por mais experiente, por mais estudioso. Na hora que algo vem de onde menos se espera, você sente plena e completamente aquilo que sabemos intelectualmente: não há controle, não se detém o curso anunciado. Tendo sido visto ou não visto o anúncio.
Recebemos o pior de pessoas para quem doamos tudo, o máximo e o melhor. Pessoas que não tem amor, compaixão, respeito, dignidade. Nós nos rasgamos para refazermos nossa identidade. Demora. Perdemos vida.
Recebemos o melhor de pessoas que surgem na nossa vida tardiamente, para as quais nunca tivemos nem chance de fazer algo de bom. Pessoas que aparecem como o oposto da pedra no caminho descrita no poema de Drummond. Pessoas que te dão a mão e te fazem pular, contornar, evitar a pedra.
Por que é assim? Não sei. Você não sabe. A pessoa que age com maldade e ingratidão não sabe. A pessoa que age com presteza, solidariedade e compaixão não sabe.
Diante disso, como digo, é melhor procurar fazer o maior número de boas ações possíveis. Há muita gente praticando o mal, destruindo, rompendo, ferindo.
A lição mais difícil: não repetir o bem ou a chance à quem já pagou o bem com o mal. Não é uma lição cristã, é uma lição para manter a integridade emocional, a saúde existencial.
Por isso, há pais que deixam de falar com seus filhos. Filhos que deixam de falar com seus pais.
O intuito é evitar o desastre seguinte que viria. Como os outros que vieram e nos dilaceraram.
*Texto escrito em 2021, durante a pandemia.
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