Os artistas, os tempos e as trilhas sonoras da minha vida - por Cristiane Jatene
Em abril de 2025, foi lançado o documentário "Ritas", que assisti no Cinesesc, durante a mostra de cinema documental "É tudo verdade", era a vida da Rita Lee, contada através da última entrevista dela. É emocionante, mas mais divertido do que triste. Em maio, "Ritas" passará a ser exibido nos cinemas, em todo o Brasil.
Em maio de 2025, quando completa dois anos da partida de Rita, foi lançado o documentário "Rita Lee - Mania de você". No canal Max. Assisti hoje. É uma despedida. A carta de Rita para Roberto e os filhos, Beto, Joao e Antônio é lida e amigos contam sua experiência com ela. O documentário foi gravado há um mês da partida de Rita. Assisti hoje e chorei no final. "Tem que se preparar para este momento (partida de Rita) e não há preparo para isso"*, como diz Beto. A transformação sempre acontece e "a transformação da morte é sermos espírito", como diz a espiritualista (não religiosa, espiritualista) Rita.
Pode-se fazer um paralelo entre os dois documentários e as duas autobiografias de Rita. A primeira, "Uma autobiografia" é sobre a vida, com seus altos e baixos. A segunda, "Outra autobiografia", é sobre o adoecimento e o final, é uma tanatografia. Ambas valem a leitura, como toda autobiografia, a primeira é um retrato do tempo que Rita viveu. Assim como ambos os documentários valem ser vistos.
Rita, além de "fazer um monte de gente feliz", foi generosa. Deixou musicas, livros infantis, livros, documentários.
Quando ela partiu, em maio de 2023, escrevi o texto abaixo que recupero hoje, depois de assistir o segundo documentário. Quando eu era criança, por volta de 12 anos (hoje, denominado, pré-adolescente) meu pai, brincando, disse, preciso conhecer o filho da Rita Lee para dar-lhe alguma alegria, já que a Rita Lee dá tanta alegria à minha filha. Essa é a prova.
Sinto ser necessário sempre repetir que história não é sinônimo de passado. História é um fluxo contínuo, que vai em várias direções. Cada vez de um modo.
Desdobrar-se no tempo, por um bom tempo, como histórias únicas que somos, que compartilham uma História comum é misturar sentimentos.
Emoção boa, alegria, saudade, tristeza.
Pra sempre Rita Lee será a trilha sonora da minha pré-adolescência e juventude. Da casa dos meus pais repleta de familiares e amigos em festa, com as luzes indiretas que minha mãe gostava e que tornava o ambiente poético e cinematográfico, naquela sala grande, os amigos exilados voltando, nós nas ruas pedindo eleições diretas para presidente, fazendo boca de urna para eleição de prefeito, que voltava a acontecer.
Meu irmão fazendo sucesso na rádio ao vivo, ensinando o humor que muitos fariam décadas depois e trazendo os convites dos shows nos quais cantávamos, dançávamos. Shows de Rita, Gil, Caetano, Gal…
Ainda era o final da Ditadura. A Rota mal encarada sempre estava na porta do Anhembi, nos shows. Uma vez, um rapaz que levantou-se para dançar no show do Caetano, levou um tapa, foi embora. É repugnante saber que há quem peça a volta dessa barbárie. Quem poderia imaginar que eles tinham voltado pros bueiros, mas não tinham morrido. Eles, os infelizes.
Lança! Lança Perfume. Ooooo, lança…
Canta Rita Lee. Canta porque o Brasil está voltando à sua vocação de ser feliz, de ser criativo, de ser forte por ser muitos em um. Canta porque os civis vão voltar a governar.
Oooo, lança, lança perfume.
Naquela época, amar era ampliar. Já existia individualismo, mas o Neoliberalismo com sua mesquinhez e separatividade não tinha ganhado o mundo. Os filhos não eram propriedade dos pais e eram proibidos para a família extensa. A família extensa não ficava de fora. Ninguém ficava. Os amigos eram família. A família era amiga.
Lança, menina, lança todo esse perfume.
O Brasil voltava a cheirar bem, a sonhar em ser de novo.
Rita cantava “Lança Perfume” e Gal Costa cantava “Festa no Interior”. Gal Costa que me acompanhou em danças e giros que dei em casa na pandemia, com a regravação de “Avarandado”.
Gal se foi, Rita se retirou. Mais vivas que nunca, são nossos farois que cegam esse Brasil egoísta, odiento e pobre.
Desse lado só riqueza, abundância, arte, força e brilho.
O Tropicalismo e os tropicalistas para sempre vão ensinar que o Brasil é multi. Multiétnico, multicultural, multi religioso, multicriativo. Essa é nossa força. Que o Tropicalismo seja disciplina obrigatória nas escolas brasileiras como Beatles é nas escolas britânicas.
Viva Rita Lee. Obrigada por tudo.
* Sugiro a leitura do meu texto sobre luto, publicado neste Blog: https://cristianejatene.blogspot.com/2025/04/luto-um-processo-continuo-e-peculiar.html
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