Diagnóstico: de abrigo à prisão - Cristiane Jatene

Como todo abrigo que o ser humano encontra para se proteger de seu existir inóspito, imprevisível, mutável e compartilhado com outros, dos mais variados afetos, o diagnóstico pode nos abrigar quando conseguimos nomear ou compartilhar um desconforto.


Ocorre que o ser humano é no mundo, não em si mesmo, é "bio-psico-social-histórico-cultural-espiritual.". É um ser multidimensional que afeta e é afetado, pelo contexto e pelas relações e, especialmente, pelo período histórico em que vive.


Vivemos na era do Capitalismo Financista Neoliberal, na Era da Técnica, como denomina Heidegger, na Era do Individualismo, exacerbado, de pessoas, famílias e comunidades. A solidariedade e o cuidado cuidadoso quando ocorre é para os que são “nossos”. O Neoliberalismo transformou tudo em empresa que precisa ser eficiente e dar lucro. Custe o que custar. A saúde, a sanidade, as relações, a felicidade. Lembro-me do livro do grande sociólogo italiano Domenico de Masi e de sua obra “A felicidade negada”, que aborda com clareza os problemas da contemporaneidade a respeito do quanto ter que ser uma empresa nos custa.


O indivíduo deve ser uma empresa, assim como deve ser uma empresa famílias, relações afetivas e até o Estado, que nasce para proteger os cidadãos e não para dar lucro, como é o objetivo de uma empresa. A perversão é total. 


Resultado? Na impossibilidade do ser humano de ser uma máquina, ele adoece. Ansiedade, depressão, estresse crônico, insônia e fadiga crônicas e muitos diagnósticos, como TDAH, Hiperatividade, TEA. O cérebro deixa sua plasticidade de lado para ser o órgão que manda na vida e como se fosse estático.


Ao invés de humanizar as crianças, os adolescentes, os adultos, as relações e investir na plasticidade do cérebro, dos comportamentos, das relações, investe-se veredictos. Os diagnósticos que serviriam para serem aliados do desenvolvimento e do amadurecimento humanos viram prisões. Similares às prisões que vemos em religiões e ideologias. A pessoa encontra  um abrigo na religião e ao fanatizar-se passa a viver numa prisão. Ou encontra um sentido para a vida numa ideologia e ao radicalizar-se torna-se intransigente e passa a viver aprisionado.


É preciso entendermos o histórico da patologização das questões e dificuldades humanas, existenciais, e a posterior medicalização do que foi patologizado.


No geral, pessoas diagnosticadas mudam quando mudam o ambiente ou quando são tratadas como o que são: humanos vivendo o desafio de serem humanos. O ser humano é uma questão para si. Ele quer entender, interpretar, criar. Vive sabendo que é finito, mas não sabe quando sua finitude chegará ao destino final. Sua vida pode mudar de uma hora pra outra e essa interceza é parte da condição humana. A mudança inesperada ou não programda pode ser para melhor ou pior. Sem que tenhamos algum controle.


Precisamos falar sobre nossa humanidade e no serviço que diagnósticos plurais, integrais e complexos podem fazer por nós e deixarmos de ser escravos de diagnósticos construídos historicamente por uma estrutura social que nos quer mais automatizados e menos humanos. Uma estrutura social que tem destruido o planeta até chegarmos no ponto que estamos, ou seja, próximos ao ponto de não retorno da vida humana na Terra.


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